Ontem eu li um artigo do Planeta Sustentável que mexeu demais comigo. Sobre a castração feminina, que acontece principalmente na África. Mexeu demais comigo porque sou mulher, e porque não posso fazer nada a respeito, a não ser lamentar, odiar, repudiar, recriminar, e todos esses verbos no infinitivo que demonstram a minha indignação. E depois aceitar humildemente a ideia – inaceitável, diga-se de passagem, sempre será inaceitável na minha opinião, e dizer que aceito é apenas uma força fraqueza de expressão - de que é tudo uma questão de cultura. Cultura em que não é desejável que a mulher possa simplesmente: poder.
Fui pesquisar a respeito, quis saber o porquê de tudo isso. Porra, para ter o clitóris arrancado, muitas vezes sem anestesia, e o racho costurado para sempre, ficando só o buraquinho do xixi e a abertura vaginal (por onde as mulheres mantém relações sexuais sempre dolorosa, pois a vagina acaba atrofiando), deve ter um motivo – mesmo que mitológico – muito importante, não? Só que nem mesmo uma anciã tribal consegue responder à questão. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém consegue explicar.
Daí que eu penso aqui com meus botões intactos, a respeito da questão do poder masculino sobre as fragilidades femininas. Não adianta botar culpa nas religiões patriarcais – o que eu adoro fazer e faço sempre que posso, confesso. A soberania do pinto sempre existiu, sempre imperou nos homens, em maior ou menor grau. E o pior: de forma calada, camuflada. Inconsciente.
Pra mim, a mutilação feminina é uma prática machista inconsciente. Quem entende um pouquinho de psicanálise compreende o que o falo – modo pomposo com que os psicanalistas nomeiam o pinto e toda a sua trágica simbologia - representa. O “falo” simboliza poder. E o poder tem que ficar com os homens, portanto, um clitóris pode representar uma grande ameaça. É, ué. Vai que o grelo órgão resolve crescer e vira pinto, não é mesmo? Então é melhor “calar” o mini-falo da mulher, pra ele não crescer, e, com ele, não crescer o poder da mulher. Nós fomos sempre mutiladas, quer seja fisicamente, psicologicamente, moralmente ou simbolicamente.
Peço perdão aos homens pelo que vou falar, sei que é uma postura totalmente irracional da minha parte, mas sinceramente, eu tenho raiva de vocês. Eu sinto raiva. Porque esse poder masculino ainda encontra suas brechas para se manter presente, em pleno século XXI, embora em proporções muito menores, é claro. É óbvio que tivemos muitos avanços nesse sentido.
Mas ainda assim, muitas vezes eu sinto raiva, uma sincera e honesta raiva de vossos pintos (caso de amor e ódio, admito, porque né... convenhamos, rs). Uma sincera e honesta raiva daquilo que vossos magníficos pintos representam pra vocês. Talvez seja por isso que, friamente falando, às vezes não tenho piedade dos homens que sofrem, em especial por amor. Parece que sempre sobram motivos para que um homem sofra. Por uma mulher então, nem se fale.
Um dos meus prazeres mais peculiares é conhecer a falta de dignidade de um homem e a maneira com que ele trata suas caças vítimas peguetes, e depois vê-lo perdidamente apaixonado, sofrendo, levando bota de uma delas. Porra, eu tenho vergonha desse prazer porque sei o quão irracional ele é, mas me sinto tão vingada. É uma vingança do meu gênero, esperando por séculos para acontecer. Uma vingança que realizamos secretamente. Tão secretamente que às vezes nós mesmas não nos damos conta disso.
Não é um movimento #vingançafeminina, não é organizado, não tem seguidores. Mas acontece. As mulheres estão se vingando. Estão tomando o poder, e olha que nossos clitóris continuam sendo apenas clitóris, não viraram pintos. Estão se defendendo, mesmo quando suas defesas se resumam a: dar botas.
Espero que os leitores do sexo masculino compreendam e que não tirem conclusões precipitadas a meu respeito. Eu não generalizo, tá? E, se generalizo, é uma questão momentânea. É quando eu perco a minha identidade e me sinto apenas uma pequena célula do corpo feminino que todas as mulheres do mundo constroem. E, fazendo parte desse grande corpo, eu deixo de ser eu para ser todas as mulheres do mundo, e me vejo no direito de me sentir vingada por elas. Mas logo eu volto a ser um indivíduo novamente, com um nome, com sentimentos próprios, com laços de amizade e afeto e amor pelos homens que me rodeiam.
Eu me compadeço sim com vossos sofrimentos, homens. Eu não sou radical, e nem tenho esses pensamentos o tempo todo. A loucura bate de vez em quando, só. Se é loucura mesmo ou lucidez extrema, me digam vocês.
É que sabe... um artigo do tipo que eu li ontem me causa sentimentos que eu não sei nomear, e desencadeia todo esse processo mental do qual eu não saio impune. Quem me conhece de perto sabe que eu não sou feminista, muito menos machista. Sou uma mulher que deseja ser tratada não com igualdade, mas com equidade. E que deseja isso a todas as mulheres do mundo, por mais utópico que possa parecer. É o que desejo a todas as mulheres ocidentais com seus sexos intactos. E a todas as mulheres mutiladas da África.
Na foto, Waris Dirie. Quando tinha 13 anos, foi prometida a um homem mais velho, mas conseguiu fugir para a Europa. Lá, foi descoberta por um olheiro e tornou-se modelo.
Na foto, Waris Dirie. Quando tinha 13 anos, foi prometida a um homem mais velho, mas conseguiu fugir para a Europa. Lá, foi descoberta por um olheiro e tornou-se modelo.
Penso o mesmo que você, Nat. A vingança está acontencendo... msm que não seja (infelizmente) com os responsáveis por essa atrocidade.
ResponderExcluirÉ a disputa pelo poder distruindo todo e qualquer tipo de relacionamento e pessoa...
Aí que tá, quem são os responsáveis? Eu acabo culpando, irracionalmente, todos os homens. E acabo me sentido vingada, irracionamente, por todas as mulheres. Isso não é bom, de maneira nenhuma é. Mas é como eu me sinto. Infelizmente...
ResponderExcluir