sexta-feira, 12 de março de 2010

A cena eletrônica do Brasil vista por dentro. Por dentro de mim.

Hoje o Subversivo postou um texto com o título “Tudo culpa do psy”. Eu torci o nariz, porque já imaginava que viria MAIS um dos inúmeros textos com a opinião elitizada sobre a cena eletrônica, daqueles que dizem que o psy é ruim (sick), que a música evolui e agora o negócio é minimal, techno, low (sick), que tem gente que estraga a cena “porque nem sabe que o que é essa música que tá tocando”, “porque se entope de dorgas”, “porque usa corrente de prata”, “porque dança porn”, “porque blábláblá” .

Sinceramente, eu já estou muito cansada disso tudo. Eu fico sempre dividida entre meus amigos “da elite da cena eletrônica” e meus amigos “da escória da cena”. Tenho mesmo que escolher? Não é questão de ficar em cima do muro. É uma questão mais profunda: não quero rotular as pessoas porque se tem uma coisa que eu odeio que façam comigo é que me definam. E ainda mais de maneira errada. Estou cansada de toda essa ideologia barata, que me sai bem cara, por sinal.

Ufa, desabafei. Mas voltemos ao texto. Eu torci o nariz com o nome porque achei que ia ser mais uma desses que estereotipam os frequentadores de rave. Então comecei a ler, já esperando pelo pior.  A cada linha, mais uma torcidinha no nariz. Porque parecia fazer exatamente o que eu não gosto: definir o comportamente de um raver. Mas depois fui percebendo, não sei se erroneamente, e isso veremos se o autor daquele texto vier e ler o meu, que esse texto tem um tom muito pessoal, e por ser tão pessoal, tão íntimo, soou como universal também.

Eu passei por muitas das fases que ele mencionou no texto. As fases de um “raver”. Tirando a parte do começo porque sempre gostei e dancei música eletrônica. Eu ri quando ele falou de Shiva, porque no começo eu também fui pesquisar as raízes do psytrance, e juntou de eu gostar dessa coisa mística, o que me motivou a ter uma queda ainda maior pelas festas.
Era tudo paz e amor, eu queria morar numa rave e vamos praticar o PLUR! Mas sei lá, depois de um tempo passou a me soar meio vazio, entrar na comunidade do PLUR no orkut e ver pessoas DA comunidade xingando uma a outra. Me toquei logo que se eu quisesse praticar o PLUR, seria na vida, pois aqueles valores eu não aprendi numa festa, e sim em casa, na escola, nos livros que li, com meus amigos. Desisti de Shiva.

Eu parei de comer carne! Tá, não foi por causa das festinhas, mas achei engraçada a coincidência de ele ter mencionado isso no texto, da pessoa parar de comer carne. Mas saibam que depois de cinco anos eu voltei, tá gente? Outra coisa que ele menciona é o isolamento que a gente acaba criando. E também me isolei um pouco, porque acabei não fazendo mais questão de ir a baladas que não tocassem o estilo de música que eu gostava.
Viu só? A minha história de ‘raver’ tem um pouco a ver sim com a história que ele contou. Então, por isso, o texto dele foi me agradando mais. Vi verdade no que ele escrevia. Ele não queria tomar um posicionamento, ele simplesmente contou uma história parecida com a de muitos. Meio que universal.

Eu segui em frente nessa vida de ‘raver’, e até hoje me sinto membro de um movimento que se faz a cada ano que passa, e que só será realmente visto como tal pela sociedade quando ele fizer parte do passado. Aí nossos filhos e netos analisarão com frieza o que “isso que está sendo” “foi”.

Mas, no final das contas, como é que isso muda a minha vida? Nos meus álbuns do Orkut? Nas histórias que tenho pra contar? Os anos estão passando, estou ficando velha. Mas ainda me sinto parte dessa história, desse movimento, não quero me desligar. Toda essa situação me causa sentimentos contraditórios demais. Tenho que escolher uma posição? Elite ou escória? Onde é que eu me encaixo? Eu tenho que me encaixar?
Eu escolho não me encaixar, então. Vai continuar sendo tudo muito contraditório e eu misteriosamente continuarei me rendendo às festas, aos meus amigos “da elite e da escória da cena”, continuarei ouvindo os amigos “da elite” falando mal dos “da escória”, e continuarei vendo os “da escória” sendo totalmente indiferentes ao que aquilo que os “da elite” falam ou pensam a respeito deles.

Independente disso, a cena vai continuar. Comigo ou sem migo. E muitas coisas vão mudar, rapidamente, como hoje estão mudando. E muita gente que não gostava de música eletrônica vai ter aquele amigo que freqüenta as festas querendo levar pra conhecer. E a mídia vai causar mais polêmicas e dar mais visibilidade ao que antes era exclusividade e escondido. E quem diria que aquela matéria de alerta, falando sobre jovens doidos, drogados curtindo por dias uma música repetitiva, poderia atrair tanta gente e criar uma industria tão louca.

Não está nada confortável aqui, sabe? Mas é engraçado. Eu simplesmente não consigo não estar aqui.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Travessia

Tenho medo do que me espera, mas não tenho medo do medo. Quando eu chegar ao que me espera, já não serei mais eu, e não terei mais por que temer. Há um eu muito maior do que eu do outro lado do medo insuportável. E por não suportá-lo, o atravessarei. É para o outro lado de mim que vou.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Piada de * é aniversário.

Silêncio total na criação. Todo mundo concentrado, trabalhando. O Du e eu, redatores, pensando em uns cartões de aniversário, cada um diante do seu computador, pensando. Pensando. Porra, aniversário? Porra. Aniversário? PORRA.

Ele vira pra mim – pois que se senta à minha direita – e fala: não importa quantos anos você viveu. E eu, séria, olho para ele e digo: o que importam são os anus que você comeu.

Vida de redatora é assim. Tem piada sem graça quando você menos espera. Mas antes uma piada sem graça do que o silêncio corporativo.

quarta-feira, 3 de março de 2010

É preciso não deixar os clitóris virarem pintos.


Ontem eu li um artigo do Planeta Sustentável que mexeu demais comigo. Sobre a castração feminina, que acontece principalmente na África. Mexeu demais comigo porque sou mulher, e porque não posso fazer nada a respeito, a não ser lamentar, odiar, repudiar, recriminar, e todos esses verbos no infinitivo que demonstram a minha indignação. E depois aceitar humildemente a ideia – inaceitável, diga-se de passagem, sempre será inaceitável na minha opinião, e dizer que aceito é apenas uma força fraqueza de expressão - de que é tudo uma questão de cultura. Cultura em que não é desejável que a mulher possa simplesmente: poder.
Fui pesquisar a respeito, quis saber o porquê de tudo isso. Porra, para ter o clitóris arrancado, muitas vezes sem anestesia, e o racho costurado para sempre, ficando só o buraquinho do xixi e a abertura vaginal (por onde as mulheres mantém relações sexuais sempre dolorosa, pois a vagina acaba atrofiando), deve ter um motivo – mesmo que mitológico – muito importante, não? Só que nem mesmo uma anciã tribal consegue responder à questão. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém consegue explicar.
Daí que eu penso aqui com meus botões intactos, a respeito da questão do poder masculino sobre as fragilidades femininas. Não adianta botar culpa nas religiões patriarcais – o que eu adoro fazer e faço sempre que posso, confesso. A soberania do pinto sempre existiu, sempre imperou nos homens, em maior ou menor grau. E o pior: de forma calada, camuflada. Inconsciente.
Pra mim, a mutilação feminina é uma prática machista inconsciente. Quem entende um pouquinho de psicanálise compreende o que o falo – modo pomposo com que os psicanalistas nomeiam o pinto e toda a sua trágica simbologia - representa.  O “falo” simboliza poder. E o poder tem que ficar com os homens, portanto, um clitóris pode representar uma grande ameaça. É, ué. Vai que o grelo órgão resolve crescer e vira pinto, não é mesmo? Então é melhor “calar” o mini-falo da mulher, pra ele não crescer, e, com ele, não crescer o poder da mulher. Nós fomos sempre mutiladas, quer seja fisicamente, psicologicamente, moralmente ou simbolicamente.
Peço perdão aos homens pelo que vou falar, sei que é uma postura totalmente irracional da minha parte, mas sinceramente, eu tenho raiva de vocês. Eu sinto raiva. Porque esse poder masculino ainda encontra suas brechas para se manter presente, em pleno século XXI, embora em proporções muito menores, é claro. É óbvio que tivemos muitos avanços nesse sentido.
Mas ainda assim, muitas vezes eu sinto raiva, uma sincera e honesta raiva de vossos pintos (caso de amor e ódio, admito, porque né... convenhamos, rs). Uma sincera e honesta raiva daquilo que vossos magníficos pintos representam pra vocês. Talvez seja por isso que, friamente falando, às vezes não tenho piedade dos homens que sofrem, em especial por amor. Parece que sempre sobram motivos para que um homem sofra. Por uma mulher então, nem se fale.
Um dos meus prazeres mais peculiares é conhecer a falta de dignidade de um homem e a maneira com que ele trata suas caças vítimas peguetes, e depois vê-lo perdidamente apaixonado, sofrendo, levando bota de uma delas. Porra, eu tenho vergonha desse prazer porque sei o quão irracional ele é, mas me sinto tão vingada. É uma vingança do meu gênero, esperando por séculos para acontecer. Uma vingança que realizamos secretamente. Tão secretamente que às vezes nós mesmas não nos damos conta disso.
Não é um movimento #vingançafeminina, não é organizado, não tem seguidores. Mas acontece. As mulheres estão se vingando. Estão tomando o poder, e olha que nossos clitóris continuam sendo apenas clitóris, não viraram pintos. Estão se defendendo, mesmo quando suas defesas se resumam a: dar botas.
Espero que os leitores do sexo masculino compreendam e que não tirem conclusões precipitadas a meu respeito. Eu não generalizo, tá? E, se generalizo, é uma questão momentânea. É quando eu perco a minha identidade e me sinto apenas uma pequena célula do corpo feminino que todas as mulheres do mundo constroem. E, fazendo parte desse grande corpo, eu deixo de ser eu para ser todas as mulheres do mundo, e me vejo no direito de me sentir vingada por elas. Mas logo eu volto a ser um indivíduo novamente, com um nome, com sentimentos próprios, com laços de amizade e afeto e amor pelos homens que me rodeiam. 
Eu me compadeço sim com vossos sofrimentos, homens. Eu não sou radical, e nem tenho esses pensamentos o tempo todo. A loucura bate de vez em quando, só. Se é loucura mesmo ou lucidez extrema, me digam vocês.
É que sabe... um artigo do tipo que eu li ontem me causa sentimentos que eu não sei nomear, e desencadeia todo esse processo mental do qual eu não saio impune. Quem me conhece de perto sabe que eu não sou feminista, muito menos machista. Sou uma mulher que deseja ser tratada não com igualdade, mas com equidade. E que deseja isso a todas as mulheres do mundo, por mais utópico que possa parecer. É o que desejo a todas as mulheres ocidentais com seus sexos intactos. E a todas as mulheres mutiladas da África.

Na foto, Waris Dirie. Quando tinha 13 anos, foi prometida a um homem mais velho, mas conseguiu fugir para a Europa. Lá, foi descoberta por um olheiro e tornou-se modelo.