sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Amor é um treco de asas. Ah, se é.

Para algumas pessoas, funciona assim. E assim sempre será. Eu explico. Um homem e uma mulher se encontram. Rola aquele clima ridículo e infugível: ela não sabe onde coloca as mãos, para onde olha, qual resposta tola evitar à pergunta tola que ele fez na tentaviva tola de impressionar. Dois tolos arriscados à tolice do amor. Depois vão se conhecendo, se encantando. E deixando a tolice de lado. A fase da boa impressão já foi, e já existe estima recíproca o bastante de não vigiarem tão de perto. Ela já olha nos olhos dele como se fossem antigos um ao outro. Ele já não precisa tagarelar o tempo todo para se fazer presente. Até mesmo porque já rolou o silêncio das salivas. Dos abdômens se encontrando e se apertando. Já rolou de irem ao cinema, ao museu, àquela balada doida que ela não larga por nada nesse mundo. Já existe ciúmes, já existe cumplicidade, já existe o atalho perfeito pra fazer com que ela goze. Já existem dois sogros e duas sogras na relação. Tudo, tudo isso vem antes do tão esperado e desesperado amor.

Porque não existe amor à primeira vista. Amor não existe à vista: acontece a prazo. A prestações é que se financia o amor. Como a uma casa própria. Como a um carro zero. Isso quando ele não queima a largada e acaba atropelado pela tentativa de ser maior que a si mesmo. Vou explicar. Ele é carente. Ela é livre. Primeiro livre da mãe, dos pais, da religião. Só não é livre da profissão, talvez, porque é essa escravidão que permite as demais liberdades dela. E ele simplesmente não sabe lidar com esse aparente descompromisso dela. Além do mais, ela não sabe ser senão espontânea. Seu carinho é demonstrado nos momentos de ápice de carinho, e não possuem uma ordem. Aquela ordem rigorosa de mensagens de boa noite exatamente às 22h30. De mensagem de bom dia exatamente às 9h30. De telefonema no horário de almoço. De ter que avisar toda vez que os passos dela saíssem do itnerário casa-trabalho-casa.

Não. Suas demonstrações de carinho não obedeciam a ordens pre-estabelecidas, não eram parte de um contrato. Simples: batia uma lembrança, uma saudade, ou até mesmo uma insegurança - porque era livre mas não tinha sangue de barata - e ela ligava, mandava mensagem, mandava e-mail, dava um jeito de aparecer para demonstrar o que sentia. Essas demonstrações de carinho obedediam somente à vontade. Mas porque ela era livre, ocupada e tinha uma vida social muito ativa, não era em todo-dia-toda-hora que ela tinha esse ímpeto.

Daí ele, acostumado a andar de pés no chão, não entendia essa coisa de ter asas e voar para onde quer. Para ele, amor era algo como chão. Ele sabia lidar com tropeços, mas não com voos. Só que ela voava. E ele não podia acompanhá-la sempre. E mesmo que ela o levasse para o alto muitas vezes, ele queria mais. Ele queria que ela o levasse todas as vezes. E ele queria regras. Ele queria ordem. Ele queria a vontade dela quando essa vontade não existia. Ela voava e ele dizia: volte para o chão. Sempre assim: volte para o chão.

E tudo aquilo que poderia ser fica não sendo.E então toda aquela possibilidade de amor concretizado sai voando também. Para longe dele e para longe dela. Porque para algumas pessoas, o amor é assim. Um treco com asas. Pronto pra voar e fugir assim que se depara com uma gaiola.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Música eletrônica além da pista de dança. #euquero


- Que tipo de música você gosta?
-Eletrônica.
- Sério, você curte rave? Que da hora, eu também. Qual a próxima, hein? Vamos? Qual DJ você gosta? Eu adoro Bruno Barudi, o cara é foda.
...

Atire a primeira track quem gosta de música eletrônica e nunca passou por essa situação. Embaraçosa, às vezes, porque você não vê motivos pra ser antipático. rs

Mas enfim, isso não importa muito. O que eu queria dizer é que tô um pouco cansada disso tudo. Se eu gosto de rave? Pô, gosto. Frequento, adoro. Mas sério? Música eletrônica não é só isso. Os especialistas de plantão que me perdoem, mas eu não estou aqui para falar nenhuma verdade, mas a minha impressão.

Então, por favor, não venham cortar a minha onda. Porque o que mais existe hoje em dia é neguinho falando que entende de música eletrônica. Mas no meu caso, não se trata de entender, mas sim de sentir.

Música eletrônica não é só pancadão, minha lindas pessoas. Existem músicas desse gênero que são verdadeiras obras-primas, sublimes, capazes de nos transportar a um outro mundo – sem hoffmans e orbitais, olha que bom ;).

Eu adoraria ir a um show de música eletrônica. Sabe o show do kraftwerk? Então, sonho com o dia em que a gente vai poder levar nossos filhos a shows de música eletrônica, e dizer: olha filho, isso é música boa. 

Dançar é bom? Lógico. Mas eu também gosto de apreciar o som. Prestar atenção nele, com o corpo quieto. A música eletrônica, pra mim, vai muito além da pista de dança. 


Quer um exemplo? Ouve só esse som do Infusion. Presta atenção na mensagem que a música passa. Queria ter um videozinho melhor, mas esse já tá bom para que vocês possam ouvir o som.






Outro exemplo? Esse aqui, do Trentemöller. Mais uma vez, desencanem do vídeo retardado e prestem atenção na música.





Espero poder um dia falar que eu tô indo curtir música eletrônica e alguém me desejar "um bom show". Enquanto isso não acontece, continuarei ouvindo essas obras-primas no fone. E indo pra balada dançar.




terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Marginais continuamos: da poesia da geração do mimeógrafo à poesia da geração digital.


Era uma vez um monte de poetas que não conseguiam publicar seus livros por não serem aceitos pelo mercado editorial. Era uma vez porra nenhuma. Desde sei lá quando – se pá desde sempre mesmo - o mercado editorial no Brasil (será que é só aqui?) não valoriza os poetas nacionais.

Dê uma voltinha por qualquer livraria. Você vê um monte de novas edições e coletâneas de Drummond (adoro, óbvio), mas e os poetas novos? Não temos poetas novos? Claro que temos. Mas é que dizem as más línguas e as más vontades que poesia não vende. Então, pra que investir, não é mesmo? Só de vez em quando, pra não pegar mal. Pra dar um ar de ‘sei ser cool’ à editora. 




Que seja. Pouco importa. Somos filhos dos poetas marginais, que lançavam seus livros a partir de cópias feitas, literalmente, em mimeógrafos e máquinas de Xerox. O Chacal, essa figura aí da foto, fez mil exemplares de uma obra de 34 páginas usando apenas um mimeógrafo! Fodão, falaí! Essas cópias eram vendidas pelos próprios poetas, em envelopes, ou até mesmo outros suportes artesanais.

Assim, eles tinham seus trabalhos circulando por aí, entre o público que variava entre os igualmente poetas ou frequentadores de shows, cinemas ou bares da moda. Ou seja, entre a tchurminha descolada dos anos 70.


Poetas marginais da era do mimeógrafo:
  
Paulo Leminski (ouuun *-* meu preferido!)

E como filho de peixe peixinho é, também encontramos um jeito de fazer valer nossa marginalidade no século XXI. Como? Blogando, oras. Claro que é diferente, porque hoje em dia todo mundo quer escrever, todo mundo acha que escreve, todo mundo quer ser poeta.



Os poetas marginais da era do mimeógrafo precisavam de ATITUDE para tornar seus poemas conhecidos. Os poetas da era digital só precisam de uma conexão e de algum conhecimento de internet. Separar o joio do trigo tá foda, mas com suor a gente consegue. As redes sociais estão aí para ajudar a gente com isso.

Eu conheço alguns bons poetas marginais da era digital graças ao Orkut e também ao Twitter, fora os que conheci na raça, procurando no Google, ou os que eu já conhecia pessoalmente. E vou compartilhar algumas dessas preciosidades marginais com vocês.

Poetas marginais da era digital:

Valéria Tarelho (ounnn, *-* minha preferida! rs)
Lau Siqueira
Aleph Davis 
Mario Pirata
E eu, hahah 

Conhece poetas marginais da era digital também? Deixe o link nos comentários. Num próximo post posso publicá-los também. 





Poema de Clarice Lispector. Hein?



Como “sempre conservei uma aspa à esquerda e à direita de mim” (C.L.), meu primeiro post será sobre ela, minha preferida. Na verdade algo que me desagrada. Não nela, mas nas centenas de fãs (?) da autora, que surgem diariamente pela internet.

Clarice Lispector virou moda, principalmente entre os internautas. Incontáveis usuários de redes sociais como orkut, facebook e até mesmo os "bem informados" usuários do twitter googlam supostos poemas dessa enigmática mulher. Ctrl C + Ctrl V e perfil do orkut que 'revela' uma personalidade complexa [NOT], Ctrl C + Ctrl V e facebook ganha um conteúdo mais 'intelectualizado' [URGH], Ctrl C + Ctrl V e o tuíte de arrobafulano acaba de ser retuitado.

O que nem todos esses especialistas em copypastear sabem é que Clarice nunca foi poeta. Nunca-jamais-em-tempo-algum. Não existe nada documentado sobre a escritora ou da escritora que revele tal característica. Lispector escrevia crônicas, contos e romances. Poemas? Definitivamente não.

De boa: cada vez que eu vejo alguém usando seu santo-nome-em-vão – com o perdão do exagero – sinto uma raivazinha. Porque sério, tem textos que até têm seu valor, mas não se comparam em nada com o estilo da autora em questão.

Poxa, se eu tivesse uma enorme maturidade para escrever e me confundissem com algum escritor com características escancaradamente diferentes das minhas, eu ficaria bem chateada. Tipo, 'se gostam tanto de mim, como não conseguem me diferenciar dos outros?'

Este post é mais do que uma homenagem a ela. É uma maneira de eu alertar a todos os que ainda não sabem – e reforçar para aqueles que já sabem – que é preciso conferir a autoria de tudo o que se copia na internet. É um ato de respeito ao autor. Um ato de educação.

Copypasteou? Pô, faz mais uma pesquisa no google e vê se a informação procede. Dá uma olhada se o texto é do autor x ou autora y mesmo. As informações que estão na internet são de responsabilidade de quem as colocam lá.

Separei os ‘poemas’ mais populares que levam erroneamente a autoria da Clarice Lispector. Vejam:

MUDE


Este poema de Edson Marques rendeu um processo aos herdeiros da Clarice Lispector, por uso indevido em uma propaganda da Fiat. Veja aqui mais sobre o assunto.

Mude
Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama.
Depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais,
leia outros livros,
Viva outros romances!
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.
Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado,
outra marca de sabonete,
outro creme dental.
Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas.
Troque de carro.
Compre novos óculos,
ecscreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
Arrume um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.

Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!"

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Sabe aquele poeminha que engana todo mundo e que deve ser lido de baixo pra cima? Não é da Clarice também. De verdade? É bem raso e bobinho pra ser dela. Bonitinho e tal - mas NADA a ver com o estilo da escritora. Esse poeminha é de autoria desconhecida.

“Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...”

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Mas o campeão de perfis de orkut, aaah, eu leio e fico 'no veneno', querendo empurrar do penhasco quem copiou aquilo e colocou o nome da Clarice ali. Mas claro que não antes de cortas as asas, né, já que a pessoa 'adora voar'. Grrr. O poema a seguir é de Bruna Lombardi, minha gente. Clarice não era assim rebeldezinha. Eu adoro esse poema, e muita coisa que ela escreveu, de verdade. Só odeio que digam e pensem que é da Clarice.

ALTA TENSÃO

eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.

Pra fechar o post, suplico aos 'leitores' de Clarice que escrevam corretamente seu nome: não é Clarisse, não é Linspector. É Clarice Lispector. Combinado?