terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Poema de Clarice Lispector. Hein?



Como “sempre conservei uma aspa à esquerda e à direita de mim” (C.L.), meu primeiro post será sobre ela, minha preferida. Na verdade algo que me desagrada. Não nela, mas nas centenas de fãs (?) da autora, que surgem diariamente pela internet.

Clarice Lispector virou moda, principalmente entre os internautas. Incontáveis usuários de redes sociais como orkut, facebook e até mesmo os "bem informados" usuários do twitter googlam supostos poemas dessa enigmática mulher. Ctrl C + Ctrl V e perfil do orkut que 'revela' uma personalidade complexa [NOT], Ctrl C + Ctrl V e facebook ganha um conteúdo mais 'intelectualizado' [URGH], Ctrl C + Ctrl V e o tuíte de arrobafulano acaba de ser retuitado.

O que nem todos esses especialistas em copypastear sabem é que Clarice nunca foi poeta. Nunca-jamais-em-tempo-algum. Não existe nada documentado sobre a escritora ou da escritora que revele tal característica. Lispector escrevia crônicas, contos e romances. Poemas? Definitivamente não.

De boa: cada vez que eu vejo alguém usando seu santo-nome-em-vão – com o perdão do exagero – sinto uma raivazinha. Porque sério, tem textos que até têm seu valor, mas não se comparam em nada com o estilo da autora em questão.

Poxa, se eu tivesse uma enorme maturidade para escrever e me confundissem com algum escritor com características escancaradamente diferentes das minhas, eu ficaria bem chateada. Tipo, 'se gostam tanto de mim, como não conseguem me diferenciar dos outros?'

Este post é mais do que uma homenagem a ela. É uma maneira de eu alertar a todos os que ainda não sabem – e reforçar para aqueles que já sabem – que é preciso conferir a autoria de tudo o que se copia na internet. É um ato de respeito ao autor. Um ato de educação.

Copypasteou? Pô, faz mais uma pesquisa no google e vê se a informação procede. Dá uma olhada se o texto é do autor x ou autora y mesmo. As informações que estão na internet são de responsabilidade de quem as colocam lá.

Separei os ‘poemas’ mais populares que levam erroneamente a autoria da Clarice Lispector. Vejam:

MUDE


Este poema de Edson Marques rendeu um processo aos herdeiros da Clarice Lispector, por uso indevido em uma propaganda da Fiat. Veja aqui mais sobre o assunto.

Mude
Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama.
Depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais,
leia outros livros,
Viva outros romances!
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.
Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado,
outra marca de sabonete,
outro creme dental.
Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas.
Troque de carro.
Compre novos óculos,
ecscreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
Arrume um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.

Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!"

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Sabe aquele poeminha que engana todo mundo e que deve ser lido de baixo pra cima? Não é da Clarice também. De verdade? É bem raso e bobinho pra ser dela. Bonitinho e tal - mas NADA a ver com o estilo da escritora. Esse poeminha é de autoria desconhecida.

“Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...”

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Mas o campeão de perfis de orkut, aaah, eu leio e fico 'no veneno', querendo empurrar do penhasco quem copiou aquilo e colocou o nome da Clarice ali. Mas claro que não antes de cortas as asas, né, já que a pessoa 'adora voar'. Grrr. O poema a seguir é de Bruna Lombardi, minha gente. Clarice não era assim rebeldezinha. Eu adoro esse poema, e muita coisa que ela escreveu, de verdade. Só odeio que digam e pensem que é da Clarice.

ALTA TENSÃO

eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.

Pra fechar o post, suplico aos 'leitores' de Clarice que escrevam corretamente seu nome: não é Clarisse, não é Linspector. É Clarice Lispector. Combinado?

4 comentários:

  1. Boaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, Nat!
    Muito bom o puxão de orelha!

    A poesia da Clarice escorre nos textos densos dela... e não em forma de poema, métrico, etc.

    A primeira vez que li o da Bruna Lombardi - com autoria dada à Clarice -, estranhei, mesmo não conhecendo a obra de Clarice! Eu pensava: "esse texo não condiz com a foto e história dessa mulher..." haha

    e eu adoro essa sua tatuagem.
    Fecha aspas.
    :)

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  2. Mais do que correto! Meu Deus, odeio esses pseudo-leitores que querer pôr um pouco de cultura(pra fingir que têm) e colocam o nome de escritores consagrados, tipo Clarice Lispector, ou inventam qualquer pensamento idiota e colocam "Bob Marley" ou "Albert Einstein". Meu Deus, por que eles fazem isso?
    Obrigado por me deixar desabafar aqui! Meu coração está mais leve! ahhahaa

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  3. Eu tenho dó do Arnaldo Jabor. Ele é uma das grandes vítimas dessa disseminação virulenta de textos com autorias erradas!

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  4. Eu ia dizer algo parecido com o que o Lucas disse. Eu tenho dor fisica principalmente quando chegam aqueles ppts religiosos, com texto piegas e raciocinio de barata e atribuem a autoria ao Eistein.
    Mas é um preço justo a se pagar por pensar por si próprio, sem o peso de um nome na sua opinião/idéia/sentimento/loucura.
    Aquele abraço. =]

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